Festival Suro, 2022
Paulo Scavullo
“FALA VERDADE QUEM DIZ SOMBRA”
(Wahr spricht, wer Schatten spricht.)
Paul Celan
Na sombra, o lado positivo da falta de controle emocional e espontâneo que desafia a nossa personalidade é uma passagem do interior para o exterior. É uma forma de reflexão, no sentido de um desdobramento, em que alcançamos um segundo grau e nos tornamos prisioneiros de uma projecção sobre a qual nos inclinamos e da qual não nos libertamos. Daí o facto de a sombra estar conotada com diversos aspectos negativos e da ordem do fantasmagórico. Pode-se dizer que somos uma opacidade cuja sombra não permite “clarificar”. E aí permanecemos fechados, num “curto-circuito”, numa espécie de representação de nós próprios.
O lado fantasmagórico de uma sombra, independentemente do seu grau de contraste e de luz projectada, permite apenas a transposição de um limite, da ordem do insondável, do ausente, do realismo tenebroso. Chegamos assim à ideia de sinistro que, tendo sido uma das categorias fundamentais da estética romântica, é exacerbada pela opacidade da sombra e pelo que a visão permite construir sobre a própria realidade. Neste sentido o que é que se vê na sombra? O nosso olhar atravessa a sombra tal como atravessa a luz? E o que daí podemos tornar “claro” sem que façamos um exercício de reelaboração realista daquilo que vemos? O nosso olhar será sempre obrigado a fazer uma espécie de “revelação” como se de um processo fotográfico se tratasse?
Sabemos que o pensamento ocidental estabeleceu uma forte relação entre luz e razão, entre sombras e irracional. Daí que as metáforas da luz, na nossa tradição, estejam associadas a conotações positivas e as metáforas da sombra remetam sempre para uma negatividade. Uma certa revalorização da sombra, inaugurada com o Romantismo, está relacionada, pelo menos parcialmente, com a perda de confiança na luz como meio ou como metáfora de acesso à verdade.
Esta série de auto-retratos, onde a sombra é explorada nos seus limites e na sua relação de dependência com a luz, cria uma situação paradoxal: através da sombra aquilo que se vê condena-nos a nada ver. Reside aí a densidade mais subtil que permite a esta série ou sequência de fotos criar um elevado nível de sentido, onde se revela uma tirania do visível.
Longtemps j’ai cru n’avoir d’yeux que pour la lumière.
Max Milner
BIO
Paulo Scavullo nasceu no Porto e vive entre Lisboa e a Azaruja.
O seu trabalho artístico tem-se desenvolvido em várias áreas disciplinares: design gráfico (com trabalho desenvolvido para diversas instituições culturais, entre as quais a Fundação Calouste Gulbenkian, Culturgest, Casa Fernando Pessoa, Câmara Municipal de Lisboa, Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, Instituto Camões, etc.) concepção de capas de livros e de discos, cartazes e ilustração para diversas publicações nacionais, entre as quais o semanário Expresso.
Enquanto artista visual, fez diversas exposições individuais e participou em exposições colectivas realizadas em Portugal e no estrangeiro. Cantor da banda pop “Post Hit”, gravou diversos discos e vídeos e fez concertos em todo o país.
Formação académica:
- Curso de Artes Gráficas da Escola Soares dos Reis, Porto.
- Frequência da Licenciatura em Design de Interiores, ESAD, Lisboa.
- Licenciatura em Arte Multimédia, FBAUL, Lisboa.
- Mestrado em Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas, FBAUL, Lisboa.
Outras Informações:
- Prémio do Júri na Bienal de Arte Jovem, Culturgest, Forum da Maia, 1995.
- Bolseiro do Centro Nacional de Cultura, 1995 /1996.
- 3º prémio da Bienal de Arte de Rijeka na Croácia, 1997.
- Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.
- Conferência apresentada no Colóquio “Ser Artista Hoje em Portugal” Calheta, Madeira, 2000.
- Júri do Concurso Montras do Comércio da Cidade de Lisboa, 2002.
- Participação nos eventos públicos “Poetas do Povo” - Povo, Lisboa - “Bowie e os Novos Românticos”, 2015 e “O Anjo Mudo” - Al Berto, 2017.
- Representado na Colecção Banco Privado /Museu de Serralves, Museu Municipal da Maia e em colecções particulares em Portugal e no Estrangeiro.
Bibliografia :
Existem vários catálogos e livros com textos sobre o trabalho artístico desenvolvido, entre os quais:
- Alexandre Melo, “Artes Plásticas em Portugal”, DIFEL
-“Arte Portuguesa do Século XX Century Portuguese Art”, Ministério da Cultura / IAC
-Sandra Vieira Jurgens, “Intalações Provisórias”, Documenta
- José Bártolo, “Design Português”, Ano do Design Português.
- Luis Pinheiro de Almeira e João Pinheiro de Almeida “Enciclopédia da Música Ligeira Portuguesa”, Circulo de Leitores.
- Diversas recensões críticas na imprensa sobre o trabalho desenvolvido: ArtPress, Expresso, Diário de Notícias, Artes & Leilões, Público, Blitz, Sete, DIF, etc.
A preparar a edição do livro “Transtype” para a Stolen Books.